quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pérola.

Era manhã, com sua chegada vinha embutida toda responsabilidade de viver mais um dia. Noite passada o gritante incômodo do suor pelo corpo, a colcha entrelaçada em suas pernas, a cama de solteiro, o ventilador parado, um dos fones do iPod no ouvido e aquele anel na mão direita. A mistura desses elementos individualmente inoportunos a fizeram abrir os olhos, levantar, ir ao banheiro e eliminar certo líquido misturado a uréia que pedia pra sair. Luz (porque era tão forte e amarela a luz daquela lâmpada?), sentada era fácil sentir o banheiro girar ao seu redor, aqueles problemas de pressão baixa nunca eram sensatos quando se tratava do momento a se manifestar. Ao deixar aquele cômodo suas pernas não a levariam para o quarto nem tão cedo, em troca, um sofá. Sentar, pensar, sentar, pensar, pensar, pensar. Chega. Vamos simplificar aquela mente: seu cérebro não emitia nenhum comando que fizesse seu corpo responder auxiliando na leitura da porcaria de pensamentos e sensações que percorriam seu interior mais uma vez. A carcaça permanecia estática, o vento agora soprava, frestas de luz provenientes da lua encontravam espaço por entre as persianas; seu rosto iluminado, seu cabelo se movimentando, nada daquilo provinha dela; era apenas uma barreira para aqueles fenômenos naturais, seguros de si, desempenhando com exatidão o serviço ao qual são delegados. Não se importavam com a sua presença ali. Faíscas podiam ser sentidas dentro dela; os pensamentos não se complementavam, não faziam sentido juntos, era como se a realidade vivida não se conectasse com a idealizada; mas afinal, não se deve lutar pelo sonhado? Lutar e realizar são palavras que possuem entre elas uma estrada extensa, incerta, por vezes perigosa. Naquele momento o peso do anel enviava ondas pontiagudas e dolorosas de arrependimento ao seu coração; o coração, por sua vez, bombeava de maneira violenta pensamentos ardentes de desejo e prazer não concretizados; sua mente, indefesa, absorvia. Sugava cada restinho daqueles momentos que em tempo real não aconteciam, mas que de algum modo inexplicável ela podia sentir. Aquelas aventuras, possivelmente amorosas, um caso; ela nunca teve um desses. Aquele choque sentido quando junto a sua se encontra outra pele. Blue Foundation, chocolate e brisa do mar ela conseguia ouvir a música, sentir o cheiro e o vento, imaginando serem essas as sensações.
Pobre Pérola, prestes a deixar a ostra em que viveu todos esses anos rumo a outra onde iniciará uma vida conjugal sem ao menos saber as delícias e os desgostos do que é viver no mar.